sábado, 15 de setembro de 2007

Safra nova, velhos frutos

Tô aqui sozinho
no meio do caminho
de flores, vidas e espinhos

E é bem melhor ficar comigo
eu prefiro o abrigo
do silêncio
que o castigo
de viver com tanta falsidade
que polui essa cidade

Eu gosto tanto do vazio
de todo esse espaço
e do barulho que eu faço mastigando
comendo, com medo,
remoendo os pedaços
que eu deixei cair

E perdi, nem sei
ganhei também
um pedaço de vida
na semente que eu plantei
sem querer, quando deixei fugir
a palavra que eu nunca falei
quando deixei partir
o amor que não amei

A vida passa tão depressa
e até hoje eu peço, em prece
que a criança que adoece
e o jovem que envelhece
e o gênio que emburrece e esquece
tenham força, fé e calma
pra receber o que merecem

E eu espero que um dia
mesmo que já seja tarde
a tarde caia, sombria
e traga a alegria
de uma noite de luar
onde haverá lugar
pra todo mundo cantar,
ser amado e amar
sem sentir o gosto amargo
do sangue derramado
que eu deixei cair

E perdi, nem sei
ganhei também
um pedaço de vida
na semente que eu plantei
sem querer, quando deixei fugir
a palavra que eu nunca falei
quando deixei partir
o amor que não amei

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Verdades pútridas

Cristalinas cachoeiras de lodo, óleo, merda e limo
Descendo em fúnebre harmonia, coloridas sacolas de lixo
Que travam incessante batalha com restos de vida animal
Prisioneiros do seu hábitat, já tão pouco natural

Vai o planeta secar
Vai, homem, se matar!


Sonolentas cachoeiras rastejando sem vontade
Pintando com seu sangue negro as apodrecidas margens
Dignas de piedade, verdadeiras marginais,
Deplorável conseqüência do crescimento das capitais

Vai o planeta secar
Vai, homem, se matar!


Líquido que dá a vida e recebe, em sinal de gratidão,
Os fétidos resquícios do processo de urbanização
Regurgitados friamente pelo filho prodigioso
Sedento de riqueza, repugnante e inescrupuloso

Vai o planeta secar
Vai, homem, se matar!


Essencial para a existência, supostamente inesgotável
Usado irresponsavelmente, hoje corre risco considerável
Graças às façanhas do homem, suposto ser pensante
Anti-social, selvagem, inconseqüente, ignorante

Vai o planeta secar
Vai, homem, se matar!

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Dolorosa despedida

Como que de repente, uma sensação estranha em meu interior parece avisar-me da proximidade de nossa despedida...
Desta vez, não é mais um alarme falso, movimento indeciso de quem precisa partir, mas parece não querer desvencilhar-se deste corpo que um dia lhe deu abrigo; desta vez é real... é chegada a hora.
Recosto-me, tentando em vão encontrar uma posição cômoda para realizar tal feito, às vezes rápido e direto; outras, tão sofrido e demorado. Faço força, suo e descubro que o processo será longo e parcial...
Após algum tempo – para mim uma eternidade -, intercalado por períodos de discussões, silêncios e lamúrias, percebo que tudo finalmente acabou. Levanto-me, misturando desgaste (físico e emocional) e alívio e, firmemente decidido, aceno para dizer-lhe que vá.
Desfaço-me, então, dos resquícios insistentes da nossa despedida, que conseguem ainda causar-me certo desconforto, e decido tomar um banho, a fim de livrar-me completamente de sua essência.
Por vezes, ainda sinto seu cheiro no ar. Ao meu lado, provas de que não sou o único a passar por essas situações... Lenços de papel, dobrados ou amassados, são as últimas lembranças materiais de uma relação curta, mas marcante.
Ao menos, me resta a certeza de que amanhã será um novo dia, e tudo poderá fluir de outra maneira...

segunda-feira, 26 de março de 2007

Rancores de um homem só

Tudo que escrevo são resumos semanais
Arranhões deixados por rancores matinais
Mas eu acredito que um dia serei capaz
De falar sobre coisas boas um pouco mais

E não ficar apenas reclamando todo o tempo
De coisas sobre as quais tenho nenhum embasamento
Mas o que vou fazer se há um grande vazamento
Por onde escapa tudo, todos os meus sentimentos

Tento pensar em flores, arco-íris, tempo bom
Mas as nuvens são densas, a dor imensa, eis quem sou
Um crítico mudo disso tudo, um sonhador

Há alguns que ainda dizem que existe salvação
Que ainda posso me juntar à multidão
Mas algo no inconsciente, além da razão
Mostra que serei feliz mesmo na solidão

Como um exército de um homem só
Derrubando os inimigos sem nenhum pingo de dó
E assim lutar por uma vida bem melhor
Transformar tristeza e miséria, tudo em pó

E assim pra sempre meu coração me conduz
A passos firmes e largos, caminhando até a luz
Sozinho e decidido, entre a espada e a cruz

quinta-feira, 15 de março de 2007

Contramão

Penso, logo existo
Embora eu pense que talvez isto
Agora não seja um requisito
Importante pra viver

Pois as idéias pré-fabricadas
Que pela mídia são semeadas
E, como o ópio, tão cultivadas
Estão a convencer

E comandar a mente do povo
Que não se esforça a buscar algo novo
E vive contente no infindável louvo
Ao que diz a TV

[Refrão]
E, enquanto vou na contramão,
Eu vejo os bons na escuridão
E peço do fundo do coração:
- Pelo amor de Deus, desliguem a televisão!



Eu, que me mato estudando
Lendo, ouvindo, analisando
Percebo, no comportamento humano
Algo peculiar

Vejo que não tá na moda ser culto
Ser entendido de nenhum assunto
E que um papo sério não leva um minuto
Pra se acabar

Pois é bem mais fácil ver o futebol
A novela das oito, o Jornal Nacional
Juntar-se à massa, tomar "alienol"
No conforto do lar


E, enquanto vou na contramão,
Eu vejo os bons na escuridão
E peço do fundo do coração:
- Pelo amor de Deus, desliguem a televisão!

segunda-feira, 12 de março de 2007

A hora do povo

É chegada a hora
De o povo pegar as armas
Mas não aquelas tão usadas
Que destroem vidas, famílias e casas

É chegada a hora
De o povo começar a pensar
Mas não nos mesmos assuntos repetidos:
Futebol, sexo e vestidos

É chegada a hora
De o povo fazer algo novo
Mas não a novidade tradicional:
Viajar em família, passar na praia o Natal

É chegada a hora
De o povo pensar no próximo
Mas não no próximo programa
De televisão, do fim de semana

É chegada a hora
De o povo fazer caridade
Mas não uma medíocre esmola:
Encher de pão e roupas velhas uma sacola

E antes que o povo reclame
Que eu não disse o que fazer
É chegada a hora de o povo
Ligar o cérebro ao resto do corpo

sexta-feira, 9 de março de 2007

A carne que me tenta

Hoje, como já é de praxe, temos a comemorar uma data... Como vamos dizer... Ah, uma data qualquer a qual foram atribuídos um nome e um significado (este item nem sempre presente): a quaresma.
Mas esta data é sim, diferentemente de outras tantas, especial (peculiar, no mínimo): ela arrasta-se por quarenta dias, entre os quais, nas sextas-feiras, há a proibição do consumo de carne.
O que eu não consigo compreender é o porquê disso tudo. Logo, florescem em minha louca, porém não oca cabeça, algumas teses:
1)Será que aquele indivíduo que ousar desobedecer as regras e entregar-se aos prazeres da carne (literalmente), sofrerá u, ataque súbito e fulminante, o castigando pelo pecado? Caso seja esta a resposta, a pena só se aplica a cristãos católicos, pois eu como tanta carne nesses dias quanto no restante do ano. Caso haja algum católico desobediente – e sobrevivente – comendo carne por aí, faça-me o favor de responder a esta cruel dúvida que carrego comigo.
2) Ao cometer o grave pecado da desobediência – que não chega a ser capital, mas com certeza é “cidade grande” – a criatura de pouca fé terá seu nome incluso na lista de condenados ao martírio eterno no mármore do inferno? A esta resposta, provavelmente não terei resposta, levando em conta o fato de que, sendo para sempre o castigo, o teimoso em questão não teria possibilidade de voltar para esclarecer a dúvida, tão misteriosa – e assustadora.
Mas, sendo eu um cristão sem medo do fogo que nunca se apaga (haja lenha ou gás), mantenho-me longe da Igreja, para poder comer carne diariamente e dormir sem peso na consciência (só no bucho).
Agora, caso eu venha a passar o resto de minha triste existência rodando igual galeto num espeto gigante, debaixo da terra, descobrirei que estive errado a vida inteira e, se nos foi mandado comer só salada durante determinado período, é porque o negócio é de verdade.

Obs.: Caso isso seja assim mesmo, eu não terei como avisar o povo pagão-carnívoro-compulsivo-desobediente. Porque, se existe um lugar sem internet, telefone e nenhum outro meio de comunicação, só pode ser o inferno.

quinta-feira, 8 de março de 2007

Um brinde aos nossos conceitos

Existem, tanto no Brasil quanto no mundo, quase tantas datas comemorativas (dias santos, feriados, “dias de alguém”) quanto dias em um ano. Se a metade dessas datas fosse feriado, o planeta viveria de folga.
Hoje, pra variar, encontramo-nos em um dia “com dono”: o Dia Internacional da Mulher. E, enquanto muitas delas enchem suas bocas para dizer coisas do tipo “hoje é MEU dia!” e “nós temos um dia só nosso, os homens não!”, me flagro fazendo novas reflexões – e críticas – sobre o calendário ocidental.
Para começar, questiono: por que as mulheres ficam tão felizes tendo um dia em homenagem a elas? Desde que me conheço por gente, todos os dias são de todo mundo, ou agora nós, homens, ganhamos os outros 364 de presente? Sendo assim, todas as lutas e ideologias feministas cairão por terra, entregando de bandeja o poder (praticamente um ano inteiro no comando) às criaturas do gênero masculino e jogando fora a tão sonhada igualdade entre os sexos. Imagino não ser este o desejo feminino.
E, em segundo lugar, apresento outra questão: comemoramos o que mesmo? Eis a resposta: no dia 8 de março (hoje), a morte de um monte de mulheres em uma fábrica; no Dia da Consciência Negra (20 de novembro), o falecimento de Zumbi dos Palmares, grande herói brasileiro; Dia do Trabalho (1 de maio), é a vez de brindar à bomba que matou 11 pessoas em Chicago; na Páscoa, embora não tenha data exata, comemora-se a morte de Jesus Cristo. Sem falar que, a cada feriado, inúmeras pessoas morrem nas tradicionais tragédias comemorativas.
Creio, mediante esta rápida análise dos fatos, que é imprescindível a revisão dos nossos conceitos de feitos a celebrar.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Na sombra do cinamomo

Todo mundo, o tempo todo, busca alguma coisa, que parece estar perdida, escondida ou entre livros espremida. Uma diversidade absurda de coisas é feita, diariamente, a fim de descobrir o segredo da vida, o motivo pelo qual sofremos uma vida inteira, a razão de nosso pescoço sufocar, de nosso coração doer e de nossa alma se desgastar tanto.
O grande problema é que ninguém sabe, com exatidão, qual o melhor atalho para chegar à resposta necessária, uma vez que cada um de nós é um universo. O que eu sei, ou pelo menos penso saber, é que:
Livros não servem para dizer como pensar, agir ou qual caminho seguir; são instrumentos necessários apenas para o aumento da capacidade reflexiva e fortalecimento de ideologias;
Ciências – físicas, biológicas nem psicológicas – não têm capacidade nem autoridade para rotular e/ou explicar o comportamento humano geral; somente para informar sobre as diferenças e peculiaridades de cada um;
Dinheiro é absolutamente inútil na tarefa de obter qualidades importantíssimas para a realização intelectual (inteligência, ideologia, raciocínio lógico); é tão somente capaz de dar satisfação material e status social.
Uma bela aparência é extremamente incapaz de revelar a real face das pessoas; é, sim, algo atrativo ao dinheiro e aos prazeres do corpo.
Tudo aquilo que é realmente importante para o auto-conhecimento, para a formação de ideais, está no dia-a-dia, nas tarefas simples e corriqueiras. Experimente pintar uma parede, varrer a casa, lavar a louça, tomar um banho de chuva, analisar o comportamento das pessoas ao seu redor. Verás, certamente, horizontes se abrindo, dúvidas sendo esclarecidas e o seu verdadeiro eu, aquilo que muitos procuram durante uma vida inteira – e, freqüentemente, morrem sem encontrar – aparecer diante de teus olhos, ali no chão, na sombra do cinamomo.

Era uma segunda-feira...

... e lá estava eu, sozinho, frente a uma pia de louça suja, filosofando (e lavando a louça também, obviamente) . Eis que surge minha primeira obra lírica, o texto. Descubro nas letras muito mais que simples palavras descritivas: encontro um refúgio, um modo de expressar tudo aquilo que sinto – e vivo – sem precisar falar nada a ninguém.
Passa-se o tempo, e descubro que, além de escrever, eu posso ser capaz de musicar (e o violão não foi um investimento feito totalmente em vão)! Apanho no ar minha primeira composição musical: Contramão.
Após isso, uma pessoa, morando tão longe e tão perto (hóspede definitiva do meu coração), me dá o melhor puxão de orelha já recebido por mim: “Toma vergonha nessa tua cara e vai fazer um blog, sem-vergonha”, disse ela.
E é assim, resumindo bem uma longa história, que crio este espaço virtual, com o intuito de aqui publicar tudo aquilo que de melhor (ou menos pior) eu vier a escrever. Em síntese, inauguro este blog para soltar os verbos, advérbios, pronomes, antíteses, metonímias e tudo mais que a língua gauchesca me permitir proferir.